segunda-feira, 4 de março de 2019

Os mistérios do Rio Fontão


Os mistérios do Rio Fontão

O rio Fontão que separa a Freguesia do mesmo nome da de Lanheses, na margem direita do Rio Lima, ao que vem ter, com as águas que escorrem da serra de Arga, pela encosta de Silvareira, surpreende-nos pelas muitas curiosidades que nos questionam.
Antes de mais, a ponte romana que o atravessa, entre a veiga das Patas e os lugares da Bouça Velha e de Infesta, Alto de Fontão, que já se chamou Alto da Giralda e, agora, Vitória. Esta velha ponte continua a dar passagem a um caminho medieval, antiga via romana, provavelmente obra do Imperador Cláudio.
Outra curiosidade é que o pequeno ribeiro desagua num fundão que tanto pode ser natural como artificial, por isso conhecido por “Valo”. Agora está assoreado, mas que eu conheci, na meninice, quando era um varadouro de muitos barcos, cheio de bulício de barqueiros e suas mulheres, e até crianças que neles faziam suas moradas, nos meses quentes.
Diziam os antigos que no fundo das areias desse Valo ou Fundão, jazia um tear de ouro. Crença que nos sugere uma reminiscência de frutuosos negócios. O Valo dá nome à Veiga, que o rodeia, pelo menos pelo lado de Fontão. Quem sabe se, porque nela acampassem os mercadores que aí acorriam?
Mas à medida que caminhamos para montante o Rio deixa de chamar-se de Fontão, para chamar-se Rio do Talho e à veiga que o rodeia: Veiga do Talho. Contudo os naturais nem sempre o apelidaram assim. Houve épocas em que foi conhecido como Rio “Podre”. E é assim que foi mencionado nos mapas dos Serviços Cartográficos do Exército e nos dos Serviços Cadastrais.
A penetrar na freguesia, no Lugar do Retiro aparece à margem do rio uma enorme “Eira”, que dizem ser a maior de Portugal, e surpreende pela dimensão e localização. Porquê o anacronismo?
O certo é que neste ponto o rio deixa de chamar-se Rio do Talho ou Rio Podre, e segue pela nascente com o nome de: “Rio velho”!...
Com este nome continua pelo Toural, pelo Ameal e pelas Torres para as Neves até se perder na Silvareira.
Todos estes pormenores: o Toural, junto às ricas pastagens do Ameal, das Neves e das Torres, o anacronismo duma Eira desproporcional e deslocada indicia-nos não ter sido esse, no início, o seu destino.
E porque não o antigo Talho, que deu nome ao rio? Talho ou açougue com dimensões industriais, para alimentar um rico comércio de carnes, que deu nome ao rio, por onde corriam os detritos ou desperdícios, dando-lhe o aspeto nauseabundo ao cheiro e ao olhar, Rio Podre. Mas coroado com o tear de ouro na sua foz a sugerir-nos negócios lucrativos esquecidos no tempo, mas cristalizados na Lenda.
Penso que todas estas reminiscências se poderão reportar aos tempos romanos da época de Cláudio aproveitando a oportunidade da conquista da Inglaterra… Ou na época de Teodósio, em que estas terra parece terem vivido tempos de prosperidade.
Mas parece também que já na época Suévica o rio do Talho se chamava rio Podre.
O termo Toural parece aportar à Alta Idade Média. Neste caso terão sido os Normandos, quando esta região do Lima se tornou uma autêntica colónia Dinamarquesa, que dinamizaram estas actividades, e nelas terá tido origem a indústria da tripa ou “dobrada”, embora seja mais crível que esta terá surgido para alimentar os escravos nos tempos de Roma.
A receita culinária da “Dobrada”, típica do Norte de Portugal e que se estende por toda a Galiza, Astúrias e Bascongadas, no chamado prato dos “Calhos” e que deu origem ao mito dos “Tripeiros”, terá esta origem e remontará a esses tempos. Os primeiros tripeiros terão sido, pois, os escravos romanos destas regiões.

Anselmo Vieira

(Arqueólogo)

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