quinta-feira, 28 de março de 2019

FONTÃO Um fóssil arqueológico na Ribeira Lima


FONTÃO

Um fóssil arqueológico na Ribeira Lima

Sendo eu criança, fui limpar de pedras um terreno no campo dos Linhares e encontrei uma pedra em forma vértebra.
Formava um conjunto de três vertebras seguidas por um apêndice de umas cinco vertebrazinhas. Muito mais pequeninas. Parecia um fragmento d’uma coluna vertebral, de um grande animal. Fiquei muito admirado que uma pedra pudesse adquirir aquela forma, que hoje estou convencido tratar-se de um fóssil. Mas, na altura eu teria uns onze anos. Nunca tinha ouvido falar de fósseis.
Lancei o que pensava serem pedras para o monte. Mais tarde foram destinadas a tapar buracos nos caminhos.
O povo Fontanense é um caso sério de antiguidade, na região do Alto Minho. A sua proximidade ao rio Lima poderia levar-nos à conclusão, que se trata de gente ribeirinha, de trato fácil e suave como os vales em que labuta. Nada mais enganoso.
Os Fontanenses revêem-se nas encostas da Serra de Arga. Na sua áspera rudeza. De costas viradas para o rio. Nem reparam nele. Tem o gesto brusco e tosco das ásperas gentes serranas. Olham para a Serra, como se fora a sua casa. E estão sempre dispostos a subi-la, seja a pretexto da romaria de S. João, da Senhora do Minho, se não simplesmente, a S. Lourenço da Montaria e seus enchidos.
Do rio, temem mais os perigos e as novidades, do que espreitam as oportunidades. Fechados, desconfiados não aceitam libertadores estranhos.
À maneira antiga, discutem as decisões a tomar. Mas, depois, são muito unidos e determinados... Se pressentem uma imposição estranha, rejeitam-na, em atitudes inesperadas, desajeitadas e contundentes que deixam desconcertado, o intruso. São muito fiéis às suas tradições, e conservadores nos seus costumes.
Como seus ancestrais, dedicam-se à criação de gado bovino; e ainda a conservam, juntamente com a produção de carne, como sua atividade principal.
Ocasionalmente, dedicam-se à produção mineira como os antigos, sempre que a ocasião o proporcione. E sempre na dependência da Serra.
As mudanças foram-lhe sempre impostas do exterior e aceites a contragosto. A conquista Romana primeiro; e a respetiva colonização. Depois, o cristianismo triunfante no séc. IV. A seguir, a conquista Sueva e a Muçulmana, apesar de esta lhes ter trazido a liberdade! A libertação da escravatura. Já quase no nosso tempo, a invasão da Estrada Nacional, de Fontes Pereira de Melo; seguida pelo fracassado projeto do caminho de ferro do Vale do Lima, no tempo do Estado Novo.
Estes projetos abriram na freguesia um desgarramento tal, que quase lhe mataram a alma. Nunca foram totalmente aceites, nem assimilados. Por isso, Fontão e os Fontanenses, aparecem ao observador estranho como um fóssil civilizacional, ferido e traumatizado, que o esquecimento da memória torna ainda mais desconcertante e trágico.
Assim, o Fontanense aparece ao estranho como alguém que perdeu algo, e não sabe o quê. Também a mim, Fontão se me apresentou como um enigma. Enigma que através das minhas cogitações, tentei decifrar. Penso que o consegui.
Ficaria feliz, se as minhas conclusões funcionassem como uma análise psicanalítica para alívio e libertação da alma Fontanense e sua cura.
É, pois, o enigma de Fontão que me proponho decifrar ou, pelo menos, motivar alguém mais douto e mais clarividente, que o faça, depois de mim.

NOTA: O fóssil que encontrei nos Linhares devia ser de um animal bastante corpulento. Pertencia às vertebras, às três ligadas à cauda. A maior pesaria quilo e meio. Seguia-se uma cauda que devia ter sido minúscula, composta de umas cinco vertebras ou mais. Todas tiveram o mesmo destino: o buraco dum caminho...


Anselmo Vieira

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