segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Fátima E O Positivismo Português




Fátima
E

O Positivismo Português

A história da Filosofia é a história do pensamento humano, pois, todo o Homem tende a operar segundo a ideia preconcebida, isto é, a concretizar a mesma na vida prática dos seus atos; do que pode concluir-se que a história civil da Humanidade é filosofia da mesa, concretizada. Ou, como dizia certo autor: “A Filosofia em exemplos”.
Por isso, o conhecimento do modo de pensar de um determinado povo, tempo ou idade, nos leva a justificar muitas ações, tempo ou idade, que, de outro modo, nos pareceriam incongruentes ou indecifráveis.
Do mesmo modo, o conhecimento histórico pode levar-nos ao conhecimento filosófico.
Efetivamente, é filosofia ou modo de pensar de cada homem, povo ou idade, o princípio das suas ações e estas o reflexo daquela ou espelho em que se manifesta.
Os grandes acontecimentos, isto é, os feitos de transcendental importância, não se realizaram imprevistamente, ou por acaso, senão que foram a concretização de ideias de pensadores precedentes, já próximos ou remotos.
Quem não pode ver, por exemplo, na Revolução Francesa, o resultado das ideias iluministas, tão acentuadas na França do Século XIII? Ou nos sucessos de Leipzig, a concretização das ideias de Fichte?
Quem não vê a influência da Filosofia do espírito de Hegel nas duas últimas guerras mundiais? E não menos na segunda do que na primeira?
E entre nós, não está patente a perniciosa influência do Liberalismo e do Positivismo no decorrer agitado, em quase todo o século XIX e primeira parte do século XX, até 1926, respetivamente?
Mas detenhamo-nos a considerar os resultados, por certo maléficos, do Positivismo entre nós. Ele inicia com o não menor inimigo da tradição Católica Portuguesa, que benemérito das letras pátrias, Teófilo Braga. Discípulo de Conte, trouxe até nós as ideias do mestre Francês. Mas, o
Positivismo de Teófilo Braga não foi só Filosofia. Foi, e sobretudo, política. Realmente ele tentou e conseguiu unir as suas teorias com as doutrinas Republicanas, identificando o Positivismo com o Republicanismo e identificou este, com o patriotismo, mercê de comemorações e centenários.
Daí o seu êxito rotundo no campo prático. Como complemento das suas doutrinas, Teófilo Braga conseguiu a Implantação da República de que foi o primeiro Presidente. Teve a ideia e arte, de substituir o sentimento religioso, pelo sentimento positivista, mercê de congressos e exposições.
Neste ponto, foi mais lógico que o mestre Gaulês.
Protegido pela alta sociedade, o Positivismo triunfou entre nós, em todos os campos. E foram nefastas, as consequências de tal acontecimento.
A Igreja, separada do Estado, perseguida e quase abafada em suas instituições.

Deste modo, privados os cidadãos, do laço moral que esta lhes prestava, lançaram-se na revolta e entregaram-se à rapina.
A paz não voltou à sociedade Portuguesa. Os governos sucediam-se com as revoltas. Isto levou, a que um político estrangeiro que esteve entre nós, fizesse um comentário: “Portugal é um pequeno povo, integrado por grandes desordeiros.”
Era geral, a ruína e o mal-estar. Muitos dos melhores de nós, buscaram no estrangeiro, a paz e o sossego, que aqui lhes faltou. A pobreza, a miséria, a desordem e a bancarrota, eram o nosso património. De fora, não faltava quem levantasse olhos cobiçosos para as nossas colónias. O velho fidalgo da Europa, estava em perigo de perder o património. Eis os frutos envenenados do positivismo de Teófilo.
Foi então, que se ouviu uma voz na Cova de Iria, em Fátima, na Serra d’Aire: “Penitência e oração.” Caí em vós. Arrepiai no caminho. Voltai-vos para Deus. Arrependei-vos dos vossos pecados. Não discutais Deus. E tereis o perdão. E, com o perdão, voltará a esperança.
“Penitência e oração.”
Era a nova filosofia, a nova dialética, a nova sabedoria que apontava à redenção e à salvação.
E não faltaram almas bem inclinadas, multidões, rios de gente, que subiram à Serra D’Aire, a impregnar-se da nova ideologia, da nova sabedoria, que apontava à Fraternidade e ao Amor, no novo espírito de sacrifício e na aceitação do dever.
A aceitação do dever cumprido, da purificação das consciências foi guiando os fiéis de Fátima à concórdia fraterna e à paz com Deus.
Não descuidaram as forças da discórdia, um ataque em forma. Mas a nova ideologia descida de Fátima, espalhou-se pelo país, formou consciências, pacificou as famílias e abriu os caminhos da paz.
Berço de paz, à nossa pátria chegaram monarcas desterrados, famílias perseguidas, crianças vítimas da guerra, em procura de refúgio.
“Penitência e oração.”
Olhos voltados para Deus. Ouvir a voz da consciência. Assumir as responsabilidades e aceitar o sofrimento do dever cumprido.
Eis a nova ideologia, que trouxe a concórdia e a paz. Eis o milagre português, o milagre de Fátima.

Escrito em 1959, no fim do curso de Filosofia.
Agora retocado, em 28 de setembro, de 2019.


Anselmo Vieira

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Como de Ovínia, se chegou a Viana


Como de Ovínia, se chegou a Viana

Do ilustre medievalista Almeida Fernandes, chegou ao meu conhecimento, um dos mais antigos documentos que se referem à terra de Fontão.
Trata-se de um documento do princípio do século X, em que Afonso III, o Grande, Rei das Astúrias, se regozija com a posse do seu novo Feudo; e do êxito dos seus presores, nas terras do Vale do Lima.
O Rei fala com ênfase e entusiasmo, da sua nova posse, e localiza-a no “Velho Vale de Ovínia”. E diz que a sua nova propriedade está limitada, a poente, pelo Rio Podre.
Ora este Rio, é sem dúvida, o Rio Fontão. Ainda hoje limite de terras, num contexto de fronteira entre Fontão e Lanheses, ou circunscrições, entre Ponte de Lima e Viana.
Logo, Fontão, ainda sem identidade própria e sem autonomia, estava integrado nesse Feudo. E o mesmo, integraria os antigos domínios de Bretónia.
Mas de onde vem ao vale, o nome de Ovínia? De ovelhas? Criação de Ovelhas? Ou algum centro administrativo que, sobre o mesmo reivindicasse senhorio ou domínio?
O Rei não o refere. Mas alude à sua frescura e amenidade dizendo que, pelo mesmo correm as
fontes: “Fontans”, ribeiras.
Pesquisei entre os eruditos a origem de Ovínia. Se teria sido alguma cidade. Ninguém mo soube dizer. Fui à internet. Respondeu-me que, de Ovínia, nada consta.
Recorri às minhas reminiscências, antigas lembranças de velhos mestres escutados na minha adolescência. Parece-me ouvir ecos muito diluídos de uma esquecida Ovínia, lá para os lados de Viana. Mas de concreto, nada.
Terá existido uma Ovínia que dominava o Vale do Lima?
Ou seria toda essa região que assim se chamava?
E que relação guardaria o topónimo com a criação de ovelhas?
A região é famosa pela criação de gado bovino, mas o traje típico de terra é, ainda hoje, confecionado com lã. Nos meus tempos de criança, as vestes eram todas de lã ou de linho.
As cores garridas do trajar das mulheres do povo contrastavam com as cores de musgo dos trajes das fidalgas. Mas, a lã das ovelhas é muito gordurosa e de difícil higiene. O uso de urina humana para curtir a roupa e fixar as cores garridas, pode ter sido responsável pela terrível doença da lepra.
Talvez, também por isso, os povos da Palestina, que eram pastores, sofriam desse mal. Na nossa terra, a mesma fazia muitas vítimas. Tanto que os meus professores, espanhóis, me fizeram notar que, por cada três leprosos que havia em Espanha, havia cinquenta em Portugal. Nesta proporção.
Mas voltemos à minha cidade de Ovínia. No alto de Santa Luzia, existem as ruínas de uma antiga cidade cuja memória se perdeu. Desconhece-se-lhe o nome, o tempo em que foi abandonada e porquê.
Vítima da pirataria a que estava exposta, para mim penso mais que foi vítima do vândalo Gêncerico, quando enviou para os Suevos, cem mil guerreiros, ao mesmo tempo que ele atacava Roma. Diz a fama, que entre a Figueira da Foz e a Corunha, não ficou uma ladeia de pé.
Bem pode ser que, a cidade de Ovínia, seja a que jaz no alto de Santa Luzia e que, os seus últimos habitantes, tenham fugido para a escarpa voltada ao mar, de difícil acesso, fazendo assim, nascer um novo povoado escondido, hoje conhecido pelo nome de Areosa. Esse povoado terá dado, na Idade Média, origem a uma paróquia chamada Terra da Vinha, nome que, por qualquer fenómeno linguístico que não sei explicar, terá perdido a primeira sílaba da palavra “Ovínia”, o “O” caiu, e tornou-se artigo, ficando “Vínia”. Por um fenómeno de Onomatopeia, de “Vínia” deu “Vinha”, termo incongruente que o terreno da encosta não justifica. A paróquia da Vinha, já era conhecida no tempo da monarquia Asturiana.
Foi essa paróquia que o nosso D. Afonso III utilizou para fundar a sua “Vila da Vinha”. Mais tarde Viana.
Vinha não tinha sentido, vingou Viana da Foz do Lima, muito mais apropriado porque Viana significa, muito simplesmente: estrada fluvial. “Via”: estrada e, “Ana”: rio.
O rio era, ainda no meu tempo, a estrada principal na região. O movimento de embarcações era intenso desde a foz até ao lugar do Carregadouro, perto de Ponte da Barca e Arcos de Valdevez. Este movimento dava vida ao Cais Novo, em Darque.
A estrada Nacional era ainda recente e as Vias Romanas não passavam então, de velhos caminhos rurais.
A verdadeira estrada era o Rio.
Termino perguntando: Será que Ovínia se refere a criadores de ovelhas? Ou às ruínas de Santa
Luzia?

26-09-2019

Anselmo Vieira

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Bretónia



Bretónia

Cidade ou empreendimento?

Fontão nunca foi vila Romana. Foi, no máximo um lugarejo que, como muitos outros, se situava em volta da Lagoa de Bertiandos e que integravam o território da lendária cidade de Bretónia.
Lendária porque, mesmo que referida por vários escritores, alguns Romanos, o seu assento nunca foi encontrado pelos arqueólogos que, afanosamente, buscaram vestígios que a identificassem.
No meu entender, porque a referida cidade não assentava em sólidas estruturas arquitetónicas.
Consistiria num mero empreendimento económico, numa unidade agropecuária de criação de gado bovino, exploração das suas carnes e rentabilização das suas peles.
Esta unidade estendia-se por um domínio senhorial, de rico proprietário, e apoiava-se em vários locais, ao redor da lagoa, para a produção, industrialização e exportação dos seus produtos.
Os autores Romanos que a ela se referiram, e à sua prosperidade, falaram do que ouviram lá de longe, em Roma, sem se darem conta da sua fragmentação por um território disperso, e confundiram o empreendimento, com uma cidade.
Os autores posteriores falaram do seu desaparecimento e caíram na mesma confusão.
Não se tratava, pois, de uma cidade, mas de uma unidade produtora que chegou a atingir um êxito fabuloso, propagado pelas vozes da fama.
A própria lagoa deve ter sido incluída nessa mesma unidade como fonte piscícola. E todo o conjunto incluído na propriedade do rico senhor Romano.
Só isto explica, o à vontade com que pode mais tarde, abrir sobre a lagoa, o Rio da Vala e a
construção da Ponte Nova sobre o mesmo. Devia ser um Senhor, e grande Senhor.
A abundância de águas no território garantia as pastagens.
O Rio Podre concentrava a exploração das carnes associado que está ao Talho, Rego do Talho, ao Toural, concentração de animais para o abate e ao Amial vigiado pelas torres. O Valo, sobre a Veiga do mesmo nome, onde jaz o Tear da lenda, era o ponto de exportação.
A indústria dos curtumes estava localizada no Rio Estorãos, onde trabalhavam os pisoeiros.
O centro administrativo deve ter estado situado entre as freguesias de Sá e Bertiandos.
Os Romanos investiram muito nesta terra. Além de consolidarem os caminhos antigos, construíram três pontes, só em Fontão. Ainda há restos de calçadas. Há restos de poldras. E duas vias Romanas: uma que segue junto às regadas da veiga e outra que se aproxima da Serra D’Arga e segue para o Rio Estorãos, que atravessa numa ponte, bela e útil obra de engenharia. Não longe, fica a ponte de Arcozelo.
Todas estas obras acabaram por dar nome à terra: Terra dos Arcos de Lima. Só mais tarde o nome se subalterniza para Terra de Ponte, em documentos de Fernando I, Rei de Leão.
Tudo nos indica que o território começou a ser dividido, no tempo dos Suevos, princípios do Séc. V.
No século IX, o território parece ter sido quase totalmente apagado pelo abandono. Fala-se de investidas Vikings. Há indícios de destruição e, sobre ele, caiu um manto de esquecimento.
Terra sem Rei nem Lei. Terra de ninguém, chamar-lhe-á, nos fins do século X Almançor, que por aqui se cruzou, com imensas dificuldades. Mas, ainda nos princípios do mesmo século, Afonso III das Astúrias, apelidava esta terra pelo nome da Vale de Ovínea.
Na senda de Afonso III das Astúrias, por aqui se afadigou, tentando organizar o território, o Bispo S. Rosendo. Tinha aparecido, entretanto, o Mosteiro de S. João D’Arga e algumas paróquias.
Era o nascimento das atuais Freguesias, dotadas de certa autonomia, fundadas sobre os antigos lugarejos.
O apagão vai-se dissipando.
Mas, a Bretónia dos autores Romanos e medievais, não mais surgiu à luz do dia, por mais que Historiadores e Arqueólogos se esforçassem.
No entanto, desta terra mantêm-se as caraterísticas de uma só comunidade homogénea e ancestral. E, com o mesmo género de atividades, que seriam as do empreendimento de que falei.
Lembro-me ainda, que sendo criança, entre os meus sete e dez anos, foi o povo destas Freguesias convocado para uma Romaria de Rogativas, a pedir chuva ao céu. Fui com os de Fontão e juntamo-nos em S. Pedro, junto da Igreja, com as gentes da terra. De lá, dirigimo-nos para a igreja de Estorãos onde encontramos, concentrado, o povo de Sá, de Bertiandos, de Santa Comba e de Moreira do Lima.
Com mais de dez andores, formamos uma procissão destinada à Igreja de Sá. Com súplicas, rezas e rogativas, entremeadas de prédicas e clamores, posemo-nos a caminho, debaixo de um sol ardente.
A cerimónia terminou a meio da tarde. Em pouco temo fizéramos todo aquele caminho, e eu, apesar de criança, fiquei com a sensação, de que não tínhamos saída da minha terra, pois todo
aquele ambiente me parecia familiar.
E as Freguesias?
Continuam a ser os mesmos lugarejos, que o empresário Romano daquele tempo, com tanto esmero administrou e tornou famosos nos tempos de então.
E tenho para mim a suspeita, que nos tempos mais prósperos do empreendimento, esse empresário pode ter sido alguém da família Imperial de Teodósio, da família de Gala Plácida.

22-09-2019

Anselmo Vieira

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Carta Aberta a Um Jovem Professor



Carta Aberta a Um Jovem Professor

Saúdo-te, caro Professor que inicias apreensivo, a carreira que me presto a encerrar, quando daqui a uns meses atingir a idade da reforma.
Às inquietações que te invadem ao iniciar o teu futuro, respondo(-te) com a experiência da despedida.
Ainda te encontras no vestíbulo da entrada e, de dentro chega-te o eco da violência, antevês assomos de agressividade e, ficas perplexo, pareces vacilar.
Sim. A violência já se instalou dentro das portas das nossas escolas. Mas, é o reflexo da violência que vem de fora. É o resultado da nossa democracia, fraca e invertebrada, que satisfaz os desejos, mas não responsabiliza. Uma democracia desresponsabilizante, garantia de impunidade.
Uma democracia assim, atrofia a autoridade, enfraquece-a, deixando desprotegidos os fracos, os dóceis, os pacíficos, deixando-os expostos aos atropelos dos fortes, dos agressivos e dos insolentes.
Sabes, foi uma democracia assim que levou os pais da minha geração a aceitar e mesmo apoiar um Estado autoritário e despótico.
Lembro-me ainda, na minha juventude, da resposta que me deu o meu pai, quando em conversa lhe estranhei a aceitação da ditadura. «É que antes, respondeu-me, os ricos punham-nos os pés no pescoço e ninguém nos defendia.»
Hoje, a violência que invade as nossas escolas, é a mesma que atropela e espezinha os nossos velhos e reformados, assaltados, maltratados e até mortos, nos passeios das ruas das nossas cidades ou na pacatez abençoada dos nossos campos.
Na Prática Pedagógica das tuas aulas, não te contentes com apoiar a aprendizagem dos teus alunos. Eles sentir-se-ão inseguros se fraquejares no exercício da tua autoridade exigente, mas mais contigo do que com eles próprios. Eles sentirão necessidade de que lhes apontes o caminho, um caminho seguro e claro, que descobrirão no teu saber e experiência. Mas, mais ainda na lição clarividente do teu exemplo.
Tem sempre em conta que, no campo de trabalho da tua escola, são os alunos o mais importante da mesma, a sua razão de ser, e de ti, professor.
Diz-me a experiência, qua a maioria das Ações Creditadas são pura perda de tempo porque são feitas, não em função dos nossos alunos, mas apenas para progressão na carreira e melhoria do posto de trabalho.
Aos professores melhor intencionados, mais conscientes e preocupados, ouço-os constantemente perguntar: «Que mais pode fazer a escola pelos alunos?». Aos alunos, vejo-os
constantemente rejeitar o que lhes querem dar, por melhor que seja e mesmo que seja dado da melhor forma possível. E rejeitar a escola também.
Porque não mudar então o raciocínio e perguntar: Que esperam e desejam da escola os nossos alunos? Todos e cada um deles? Que esperam da escola e dos professores, os pais e familiares dos nossos alunos?
Um professor bem-avisado e de bom senso acabará por verificar que cada aluno buscava na escola uma coisa legitimamente diferente, conforme as suas aspirações. Uns quererão uma carreira universitária, um curso; outros, uma carreira técnica. Outros pensarão simplesmente aproveitar o tempo, enquanto esperam a sua entrada no mundo do trabalho. Outros ainda não têm aspirações definidas, só mais tarde as irão descobrir. É preciso ter paciência, criar-lhes bom ambiente e esperar por eles sem os exasperar.
Quanta compreensão é necessária! Quantos juízos precipitados a evitar. Quanta firmeza e quanta tolerância!
É desgastante a nossa carreira? Com certeza. Mas também porque somos muito fechados.
Assustamo-nos com os nossos fracassos e sentimo-nos humilhados, porque pensamos que são só nossos. Não compartilhamos as nossas dificuldades. Se o fizéssemos com menos medo e mais franqueza, verificaríamos que esses problemas, essas incertezas e esses insucessos não são só nossos. Abrindo-nos aos outros, colaboraríamos melhor e receberíamos ajuda, o que nos daria outra força, outra coragem e motivação. Não nos deixaríamos abater com tanta facilidade, pouparíamos muito tempo e bastante dinheiro em consultas ao psiquiatra.


Professor Anselmo Vieira

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

O mistério da praia de Carreço



O mistério da praia de Carreço 

Situada a meio caminho, entre Viana e a praia de Âncora, a praia de Carreço é uma das mais belas e tranquilas praias da região.
O acesso, não muito fácil, seleciona os banhistas e proporciona sossego e conforto aos seus frequentadores.
Uma áspera penedia protege das ondas, abriga-nos das nortadas e garante tranquilidade no sossego das areias.
Frequentei-a, na minha juventude, muitas vezes, acompanhado por um amigo, o saudoso senhor Adelino, homem do lugar, já reformado, que me fazia o favor da sua companhia e, em ocasiões, me hospedava na sua casa, ao mesmo tempo que fazia de guia por aqueles sítios. Mostrava-me o moinho de Carreço, propriedade sua, o forte do Cão e uma belíssima capela, perto da praia, hoje desmoronada, mas naquele tempo ainda aberta ao culto e que fora edificada, com arcos e abóbada, no mais belo estilo renascentista do tempo de D. João III. Fazia lembrar os arcos do Claustro do Convento de Tomar.
Nas minhas deambulações pela praia, reparei num penedo, que nada se distinguia dos outros, mas que se erguia mais dentro do areal, num ponto em que a enchente da maré já não alcançava, mas que parecia ali colocado por mão humana. Erguia-se mais elegante, aparentemente desbastado, quase como se fosse uma “Estela” comemorativa. Tendo na parte superior um desbaste propositado, formando como se fosse um “nicho” em forma de quadrado. Tudo muito desgastado pelo tempo.
Fazia-me lembrar umas alminhas… Mas notei que ninguém reparava nele.
Lembro-me que o senhor Adelino me contava que, uma vez, já se tinha perdido o tempo, uma tempestade medonha levantou uma onda gigante, e que, na crista da onda veio um barco de pescadores, que galgou a penedia até a onda atingir a veiga de Carreço, nela morrendo, e nela deixar a referida embarcação com os seus ocupantes lá dentro, sãos e salvos.
Só mais tarde, as minhas leituras de História me levaram ao conhecimento da enorme tragédia do segundo filho de Almançor, e da sua armada, quando se dirigia, para atacar o Reino Cristão das Astúrias. A maior parte dos seus soldados eram Marroquinos e não morreram todos, vítimas da tempestade medonha.
A muitos, as ondas atiraram-nos, ainda vivos, à costa, e por ali ficaram para o resto da vida, misturando-se com os naturais. Dizem os livros, que em número tão apreciável, que ainda hoje, faz das gentes de Viana, as que têm o ADN mais parecido com a gentes de Marrocos.
Mas, a maior parte do exército morreu. Os corpos dos mortos devem ter dado à costa, aos milhares.
Impressionados, os Cristãos do tempo devem ter-se comovido e, apiedados, ergueram aquelas “alminhas“ para sufragar as almas que penavam por aquelas praias. Isto passou-se, se assim foi, pelos anos 1008 e 1012. Já lá vão mais de mil anos. A memória apagou-se. Só alguns curiosos, como eu, ainda mantém a lembrança. E a pedra monumento, que ainda se conserva na praia de Carreço, passa ignorada e desconhecida, no meio da penedia.

Anselmo Vieira
Julho 2019


Posto homenagem ao meu amigo, Sr. Adelino, homem culto, animador do rancho de Carreço, que acompanhava com a sua irmã e duas sobrinhas, que nele atuavam.

domingo, 15 de setembro de 2019

O enigma de Filipe II


O enigma de Filipe II

Dizem que, tendo-se Filipe II apoderado do Reino de Portugal, terá sido confrontado por um admirador seu, que lhe perguntou como o conseguira. Respondeu o Rei Castelhano:
- O Reino de Portugal herdei-o, comprei-o e conquistei-o.
Todos sabemos ou poderemos saber, como o herdou, e como o conquistou. Mas, como o comprou, já não é tão claro…
A que se referia o Rei, quando afirmava que o comprou?
E a quem o comprou?
D. Sebastião, a quem o Cardeal D. Henrique chamava depreciativamente de “o Rapaz”, perdeu o seu Reino em Alcácer Quibir.
Uns dizem que morreu na batalha, outros simplesmente que se perdeu nas fileiras inimigas, o que, atendendo ao seu temperamento, é muito natural, e nelas desapareceu.
Visitei Marrocos. Estive em Alcácer Quibir. Falei com marroquinos cultos. Perguntei-lhes por D. Sebastião, o nosso Rei Menino. E, todos me afirmaram que o Rei Sebastião não tinha morrido ali. E mais, que não tinha morrido sequer, em Marrocos.
Não me lembrei de lhes perguntar, onde morrera então? Mas sempre me disseram, que para os Marroquinos, o Rei Sebastião era mais útil vivo, que morto…
Lembrei-me então, das minhas leituras que se referiam a D. Fernando de Castro, companheiro de infância e de juventude, de D. Sebastião, e que já adulto, ouvindo dizer que seu Rei vivia no norte de Itália, empreendeu uma viagem para o verificar. Que o encontrou, conversou com ele e testemunhou, em livro, o estado de alma, do antigo companheiro e amigo real.
Entretanto, continuei a minha peregrinação a Marrocos. Fui à cidade de Mecne, capital do vencedor de Alcácer Quibir, onde o meu guia me disse, se iniciara o reinado da atual dinastia, os “Alauítas”. A cidade ainda hoje é magnífica. E as ruínas da cidade, ainda revelam a antiga magnificência. As ruínas dos seus palácios, e o que resta da imponência das suas cavalariças, onde guardava dez mil cavalos, puro sangue árabe.
E eu, confuso, perguntava-me: Como é que um Sultão de um país pobre, poderá ter gozado algum dia, de tanto luxo e esplendor?
Anos mais tarde, chegou às minhas mãos, numa revista de História, publicada em Barcelona pela “Chyo”, um pequeno trabalho de uma autora, sobe um cativo Português, homem misterioso, que falecera em Pavia, por volta de 1736, conhecido apenas como: “O Cavalheiro de Oliveira”. A autora incluía no seu trabalho, uma fotografia, cuja identificação era apenas aquela: “Cavalheiro de Oliveira”.
Olhei para a fotografia, era perfeitamente idêntica à fotografia de Carlos V, de antes da sua morte. Em posição idêntica, como se sentado na mesma cadeira, vestindo as mesmas armaduras. E D. Sebastião era neto de Carlos V., daí as parecenças…
D. Fernando de Castro, afinal estava certo.

Filipe II, escolhido para mediar o resgate dos cativos de Alcácer Quibir, comprou D. Sebastião ao Rei de Marrocos, e com ele, Portugal.
E isto, explicaria e riqueza daquele Rei Marroquino e, a falência do tesouro Castelhano, pelo visto, a primeira da História, quando as naus Castelhanas chegaram da América a Sevilha, a abarrotar de ouro…
A Portugal?
Comprei-o….
E, o enigma está desvendado.

Anselmo Vieira

2015

sábado, 29 de junho de 2019

Os desocupados


Charles Chaplin, in "Tempos Modernos"

Os desocupados

Li algures, na vida do imperador Nero, que em certa ocasião se lhe apresentou um inventor, a pedir-lhe o patrocínio, de certa máquina que tinha inventado. E argumentava que era uma máquina tão importante pela sua eficiência, que produzia o trabalho de cerca de quinhentos operários. Não recordo que máquina fosse. Mas parece-me, que servia nos trabalhos agrícolas, não sei se para arar a terra, se para ceifar as searas.
O imperador terá pensado uns tempos; e, após a reflexão negou o subsídio.
Estranhou-lho o proponente, e disse-lhe:
- Então negas ajuda para uma máquina que te pode vir a trazer tanta riqueza, poupando-te os gastos, de tantos assalariados?...
Ao que o imperador terá retorquido:
- E que farei a vinte e cinco milhões de escravos que há no império?
Hoje em dia, os inventos sucedem-se em catadupa; os robots, os drones e outras máquinas que tais, qualquer dia unem aos nossos ouvidos como moscas, até como elas, nos incomodarem.
Substituem o trabalho humano e não produzem riqueza, mas desocupados. Incomoda-me a insensibilidade cruel com que qualquer “borra botas”, ou idiota inventa, sem pensar nos infelizes que caem na condição de desocupados e sem hipótese alguma, de autorrealização.

Maio, 2019

Anselmo Vieira