sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Carta Aberta a Um Jovem Professor



Carta Aberta a Um Jovem Professor

Saúdo-te, caro Professor que inicias apreensivo, a carreira que me presto a encerrar, quando daqui a uns meses atingir a idade da reforma.
Às inquietações que te invadem ao iniciar o teu futuro, respondo(-te) com a experiência da despedida.
Ainda te encontras no vestíbulo da entrada e, de dentro chega-te o eco da violência, antevês assomos de agressividade e, ficas perplexo, pareces vacilar.
Sim. A violência já se instalou dentro das portas das nossas escolas. Mas, é o reflexo da violência que vem de fora. É o resultado da nossa democracia, fraca e invertebrada, que satisfaz os desejos, mas não responsabiliza. Uma democracia desresponsabilizante, garantia de impunidade.
Uma democracia assim, atrofia a autoridade, enfraquece-a, deixando desprotegidos os fracos, os dóceis, os pacíficos, deixando-os expostos aos atropelos dos fortes, dos agressivos e dos insolentes.
Sabes, foi uma democracia assim que levou os pais da minha geração a aceitar e mesmo apoiar um Estado autoritário e despótico.
Lembro-me ainda, na minha juventude, da resposta que me deu o meu pai, quando em conversa lhe estranhei a aceitação da ditadura. «É que antes, respondeu-me, os ricos punham-nos os pés no pescoço e ninguém nos defendia.»
Hoje, a violência que invade as nossas escolas, é a mesma que atropela e espezinha os nossos velhos e reformados, assaltados, maltratados e até mortos, nos passeios das ruas das nossas cidades ou na pacatez abençoada dos nossos campos.
Na Prática Pedagógica das tuas aulas, não te contentes com apoiar a aprendizagem dos teus alunos. Eles sentir-se-ão inseguros se fraquejares no exercício da tua autoridade exigente, mas mais contigo do que com eles próprios. Eles sentirão necessidade de que lhes apontes o caminho, um caminho seguro e claro, que descobrirão no teu saber e experiência. Mas, mais ainda na lição clarividente do teu exemplo.
Tem sempre em conta que, no campo de trabalho da tua escola, são os alunos o mais importante da mesma, a sua razão de ser, e de ti, professor.
Diz-me a experiência, qua a maioria das Ações Creditadas são pura perda de tempo porque são feitas, não em função dos nossos alunos, mas apenas para progressão na carreira e melhoria do posto de trabalho.
Aos professores melhor intencionados, mais conscientes e preocupados, ouço-os constantemente perguntar: «Que mais pode fazer a escola pelos alunos?». Aos alunos, vejo-os
constantemente rejeitar o que lhes querem dar, por melhor que seja e mesmo que seja dado da melhor forma possível. E rejeitar a escola também.
Porque não mudar então o raciocínio e perguntar: Que esperam e desejam da escola os nossos alunos? Todos e cada um deles? Que esperam da escola e dos professores, os pais e familiares dos nossos alunos?
Um professor bem-avisado e de bom senso acabará por verificar que cada aluno buscava na escola uma coisa legitimamente diferente, conforme as suas aspirações. Uns quererão uma carreira universitária, um curso; outros, uma carreira técnica. Outros pensarão simplesmente aproveitar o tempo, enquanto esperam a sua entrada no mundo do trabalho. Outros ainda não têm aspirações definidas, só mais tarde as irão descobrir. É preciso ter paciência, criar-lhes bom ambiente e esperar por eles sem os exasperar.
Quanta compreensão é necessária! Quantos juízos precipitados a evitar. Quanta firmeza e quanta tolerância!
É desgastante a nossa carreira? Com certeza. Mas também porque somos muito fechados.
Assustamo-nos com os nossos fracassos e sentimo-nos humilhados, porque pensamos que são só nossos. Não compartilhamos as nossas dificuldades. Se o fizéssemos com menos medo e mais franqueza, verificaríamos que esses problemas, essas incertezas e esses insucessos não são só nossos. Abrindo-nos aos outros, colaboraríamos melhor e receberíamos ajuda, o que nos daria outra força, outra coragem e motivação. Não nos deixaríamos abater com tanta facilidade, pouparíamos muito tempo e bastante dinheiro em consultas ao psiquiatra.


Professor Anselmo Vieira

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