Cidade ou empreendimento?
Fontão nunca foi vila Romana. Foi, no máximo um lugarejo que, como muitos
outros, se situava em volta da Lagoa de Bertiandos e que integravam o
território da lendária cidade de Bretónia.
Lendária porque, mesmo que referida por vários escritores, alguns
Romanos, o seu assento nunca foi encontrado pelos arqueólogos que,
afanosamente, buscaram vestígios que a identificassem.
No meu entender, porque a referida cidade não assentava em sólidas estruturas
arquitetónicas.
Consistiria num mero empreendimento económico, numa unidade
agropecuária de criação de gado bovino, exploração das suas carnes e
rentabilização das suas peles.
Esta unidade estendia-se por um domínio senhorial, de rico proprietário,
e apoiava-se em vários locais, ao redor da lagoa, para a produção,
industrialização e exportação dos seus produtos.
Os autores Romanos que a ela se referiram, e à sua prosperidade,
falaram do que ouviram lá de longe, em Roma, sem se darem conta da sua fragmentação
por um território disperso, e confundiram o empreendimento, com uma cidade.
Os autores posteriores falaram do seu desaparecimento e caíram na
mesma confusão.
Não se tratava, pois, de uma cidade, mas de uma unidade produtora que
chegou a atingir um êxito fabuloso, propagado pelas vozes da fama.
A própria lagoa deve ter sido incluída nessa mesma unidade como fonte
piscícola. E todo o conjunto incluído na propriedade do rico senhor Romano.
Só isto explica, o à vontade com que pode mais tarde, abrir sobre a
lagoa, o Rio da Vala e a
construção da Ponte Nova sobre o mesmo. Devia ser um Senhor, e grande
Senhor.
A abundância de águas no território garantia as pastagens.
O Rio Podre concentrava a exploração das carnes associado que está ao
Talho, Rego do Talho, ao Toural, concentração de animais para o abate e ao
Amial vigiado pelas torres. O Valo, sobre a Veiga do mesmo nome, onde jaz o
Tear da lenda, era o ponto de exportação.
A indústria dos curtumes estava localizada no Rio Estorãos, onde
trabalhavam os pisoeiros.
O centro administrativo deve ter estado situado entre as freguesias de
Sá e Bertiandos.
Os Romanos investiram muito nesta terra. Além de consolidarem os
caminhos antigos, construíram três pontes, só em Fontão. Ainda há restos de
calçadas. Há restos de poldras. E duas vias Romanas: uma que segue junto às
regadas da veiga e outra que se aproxima da Serra D’Arga e segue para o Rio
Estorãos, que atravessa numa ponte, bela e útil obra de engenharia. Não longe, fica
a ponte de Arcozelo.
Todas estas obras acabaram por dar nome à terra: Terra dos Arcos de
Lima. Só mais tarde o nome se subalterniza para Terra de Ponte, em documentos
de Fernando I, Rei de Leão.
Tudo nos indica que o território começou a ser dividido, no tempo dos
Suevos, princípios do Séc. V.
No século IX, o território parece ter sido quase totalmente apagado
pelo abandono. Fala-se de investidas Vikings. Há indícios de destruição e,
sobre ele, caiu um manto de esquecimento.
Terra sem Rei nem Lei. Terra de ninguém, chamar-lhe-á, nos fins do
século X Almançor, que por aqui se cruzou, com imensas dificuldades. Mas, ainda
nos princípios do mesmo século, Afonso III das Astúrias, apelidava esta terra
pelo nome da Vale de Ovínea.
Na senda de Afonso III das Astúrias, por aqui se afadigou, tentando
organizar o território, o Bispo S. Rosendo. Tinha aparecido, entretanto, o
Mosteiro de S. João D’Arga e algumas paróquias.
Era o nascimento das atuais Freguesias, dotadas de certa autonomia,
fundadas sobre os antigos lugarejos.
O apagão vai-se dissipando.
Mas, a Bretónia dos autores Romanos e medievais, não mais surgiu à luz
do dia, por mais que Historiadores e Arqueólogos se esforçassem.
No entanto, desta terra mantêm-se as caraterísticas de uma só
comunidade homogénea e ancestral. E, com o mesmo género de atividades, que
seriam as do empreendimento de que falei.
Lembro-me ainda, que sendo criança, entre os meus sete e dez anos, foi
o povo destas Freguesias convocado para uma Romaria de Rogativas, a pedir chuva
ao céu. Fui com os de Fontão e juntamo-nos em S. Pedro, junto da Igreja, com as
gentes da terra. De lá, dirigimo-nos para a igreja de Estorãos onde
encontramos, concentrado, o povo de Sá, de Bertiandos, de Santa Comba e de Moreira
do Lima.
Com mais de dez andores, formamos uma procissão destinada à Igreja de
Sá. Com súplicas, rezas e rogativas, entremeadas de prédicas e clamores,
posemo-nos a caminho, debaixo de um sol ardente.
A cerimónia terminou a meio da tarde. Em pouco temo fizéramos todo
aquele caminho, e eu, apesar de criança, fiquei com a sensação, de que não
tínhamos saída da minha terra, pois todo
aquele ambiente me parecia familiar.
E as Freguesias?
Continuam a ser os mesmos lugarejos, que o empresário Romano daquele
tempo, com tanto esmero administrou e tornou famosos nos tempos de então.
E tenho para mim a suspeita, que nos tempos mais prósperos do
empreendimento, esse empresário pode ter sido alguém da família Imperial de
Teodósio, da família de Gala Plácida.
22-09-2019
Anselmo Vieira
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