O mistério da praia de Carreço
Situada a meio caminho, entre Viana e a praia de
Âncora, a praia de Carreço é uma das mais belas e tranquilas praias da região.
O acesso, não muito fácil, seleciona os banhistas e
proporciona sossego e conforto aos seus frequentadores.
Uma áspera penedia protege das ondas, abriga-nos
das nortadas e garante tranquilidade no sossego das areias.
Frequentei-a, na minha juventude, muitas vezes,
acompanhado por um amigo, o saudoso senhor Adelino, homem do lugar, já reformado,
que me fazia o favor da sua companhia e, em ocasiões, me hospedava na sua casa,
ao mesmo tempo que fazia de guia por aqueles sítios. Mostrava-me o moinho de
Carreço, propriedade sua, o forte do Cão e uma belíssima capela, perto da
praia, hoje desmoronada, mas naquele tempo ainda aberta ao culto e que fora
edificada, com arcos e abóbada, no mais belo estilo renascentista do tempo de
D. João III. Fazia lembrar os arcos do Claustro do Convento de Tomar.
Nas minhas deambulações pela praia, reparei num
penedo, que nada se distinguia dos outros, mas que se erguia mais dentro do
areal, num ponto em que a enchente da maré já não alcançava, mas que parecia
ali colocado por mão humana. Erguia-se mais elegante, aparentemente desbastado,
quase como se fosse uma “Estela” comemorativa. Tendo na parte superior um
desbaste propositado, formando como se fosse um “nicho” em forma de quadrado.
Tudo muito desgastado pelo tempo.
Fazia-me lembrar umas alminhas… Mas notei que
ninguém reparava nele.
Lembro-me que o senhor Adelino me contava que, uma
vez, já se tinha perdido o tempo, uma tempestade medonha levantou uma onda
gigante, e que, na crista da onda veio um barco de pescadores, que galgou a
penedia até a onda atingir a veiga de Carreço, nela morrendo, e nela deixar a
referida embarcação com os seus ocupantes lá dentro, sãos e salvos.
Só mais tarde, as minhas leituras de História me
levaram ao conhecimento da enorme tragédia do segundo filho de Almançor, e da
sua armada, quando se dirigia, para atacar o Reino Cristão das Astúrias. A
maior parte dos seus soldados eram Marroquinos e não morreram todos, vítimas da
tempestade medonha.
A muitos, as ondas atiraram-nos, ainda vivos, à
costa, e por ali ficaram para o resto da vida, misturando-se com os naturais.
Dizem os livros, que em número tão apreciável, que ainda hoje, faz das gentes
de Viana, as que têm o ADN mais parecido com a gentes de Marrocos.
Mas, a maior parte do exército morreu. Os corpos
dos mortos devem ter dado à costa, aos milhares.
Impressionados, os Cristãos do tempo devem ter-se
comovido e, apiedados, ergueram aquelas “alminhas“ para sufragar as almas que
penavam por aquelas praias. Isto passou-se, se assim foi, pelos anos 1008 e
1012. Já lá vão mais de mil anos. A memória apagou-se. Só alguns curiosos, como
eu, ainda mantém a lembrança. E a pedra monumento, que ainda se conserva na
praia de Carreço, passa ignorada e desconhecida, no meio da penedia.
Anselmo Vieira
Julho 2019
Posto homenagem ao meu amigo, Sr. Adelino, homem
culto, animador do rancho de Carreço, que acompanhava com a sua irmã e duas
sobrinhas, que nele atuavam.
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