terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Lamentos de Rosalia II



Lamentos de Rosalia II

Ó, insensata Galiza,
herdeira de Gerião,
que nasceste para rainha,
escolheste a servidão.

Levaste no teu regaço,
o regente de Castela,
a quem foste alimentar!...
a quem foste entronizar!...

Vai a Mieres ouvir,
os urros do Mariscal,
da cabeça degolado, aos saltos em convulsão.
Enquanto a Castelhana,
te aponta a ti, Galiza,
os caminhos de Castela:
caminhos de escravidão.

Trocaste os teus irmãos,
por arrogantes senhores,
choram agora teus filhos,
e nos ventos que nos chegam,
da Meseta Castelhana,
ouvimos nós, perplexos.

Que mal te fizeram os galegos,
ó terra dos castelhanos
para que assim os maltrates
ó ingrata Castela.



Os lamentos de Rosalia,
são a Galiza a chorar.
se foras mais previdente,
poderias, Galiza, cantar.

Quiseste ser Visigoda,
abandonaste os irmãos,
foste corpo estranho em Castela,
sofreste a rejeição…

Ai! Gelmires… ai! Fonsecas…
Cabeças de Gerião!
Tão mal fostes aconselhados…
E ao povo a quem guiastes,
deixastes na sujeição.

Defensores do Apóstolo…
dele ignoraste a lição:
ser defensor das Espanhas…
e não da Espanha, nação.


Lamentos de Rosalia…

A.V.

Uma estranha mercadoria



Uma estranha mercadoria
         Há não muito tempo, apareceu nos Arquivos Romanos, um documento da época do Império, que se referia a negócios de importações da Península Ibérica para a cidade de Roma.
         Um desses recibos, ou ordem de pagamento referia-se a uma mercadoria estranha: «urina humana», proveniente de Espanha. Não se indicava de que região.
         Estranharam os investigadores o porquê e o para quê de tal produto comercial. Mas, assinalaram a existência de tal comércio.
         Lembrei-me, então, de um conversa que ouvi na minha infância, entre duas mulheres, na Veiga das Sebes. Dizia uma à outra como confecionava uma “saia à lavradeira”. Dizia que fiava a lã, tingia os fios nas cores que desejava, tecia o pano, confecionava a saia e, por último, embebia-a numa vasilha ou numa pipa cheia de urina humana e deixava-a a curtir entre doze e quinze dias. Não os lembro exactamente.Terminados estes trabalhos a obra estava completa. A saia era lavada e corada. E nunca mais desbotava… nunca mais perdia o brilho da cor. Portanto, a urina que os Romanos importavam era usada como fixador das cores.
         Os Romanos, que tanto admiravam as cores garridas das vestes galegas e as importavam, importavam também os materiais das mesmas ao ponto de terem levado o “fixador” original, as urinas dos naturais da Galiza, talvez por lhes atribuir aptidão específica e melhor qualidade e garantia.

Essas técnicas permaneceram na nossa terra até aos dias de hoje, como o prova a conversa das duas camponesas limianas. Era uma delas a mulher do “caseiro” da Fonte da Vila, o Sr. Luís nos finais da década de quarenta do séc. vinte. E penso que se podem relacionar com o “Traje Minhoto” e os trajes “à Vianeza”.

Anselmo Vieira
(Arqueólogo)

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Os lamentos de Rosalia



Os lamentos de Rosalia

A minha vida é um rio,
que desliza pelo tempo,
e enquanto vai decorrendo,
até chegar ao destino,
vai encontrar outros rios.

Sou filho do rio Lima,
brinquei nos seus areais,
e enquanto a minha mãe lavava,
no lavadouro da margem,
bem metido na corrente,
e, por ela vigiado,
eu, criança, chafurdava.

Mais tarde, já crescidinho,
cansado da desfolhada,
e da desfolhada sujinho,
já passada a meia noite, uma ou duas da madrugada,
com meus Pais e meus Irmãos,
nas águas límpidas do Lima,
dos meus ardores refrescava,
e assim me consolava.

Adolescente no Minho,
na ilha de Pessegueiro,
passeei despreocupado,
com meus colegas da Escola,
vi no horizonte a Galiza,
e ao meu lado a ilha,
a dos Amores chamada,

e da que meu Pai me falara,
quando eu era pequenino.


Mas foi no bucólico Neiva,
que eu aprendi a nadar,
com colegas transmontanos,
dispostos a me ensinar,
enquanto vivia a infância,
no colégio a estudar.

Nadei no rio Ebro,
na barragem de “Sobron”,
de Alava, já nos confins,
já não sei se me recordo,
mas bem perto da Cantábria.


No Embalce do rio Erges ouvi,
na cidade de Corelha, na Navarra Argonesa,
as golondrinas cantar,
e em seus trinos dizer: “Que bela tierra, és my Navarra!”,
enquanto do chão arrancava,
as plantas de “Regalis”,
para as raízes mascar.


A.V.

domingo, 10 de fevereiro de 2019

Onde morreu D. Sebastião?



Onde morreu D. Sebastião?

Aos alunos das nossas escolas, continua a ensinar-se, que o nosso rei-menino, o Deslumbrado, morreu gloriosamente em Alcácer Quibir.
Ora, na minha digressão por Marrocos, o nosso guia local, o Sr. Abdulá, formado em História, afirmava categoricamente, que não. Que o Rei D. Sebastião, não morreu na batalha, e nem sequer morreu em Marrocos.
Perplexo, não lhe dei crédito…
Mas, por volta do ano 2003, chegou-me às mãos, um número da revista de História Clio, de Barcelona, que me surpreendeu.
Apresentava uma historiadora, um trabalho acerca d’um misterioso personagem português, designado como: “O Cavalheiro de Oliveira”, personagem que ninguém conhecia, mas que falecera na cidade Italiana de Pavia, em cujo castelo estivera sequestrado ou, simplesmente preso.
Com o artigo acerca do misterioso personagem, a modos de ilustração, uma pintura, fotografia, que o apresentava. A imagem surpreendeu-me. Quase se identificava com a figura do Imperador Carlos V, pintado ou retratado, pouco antes da morte, no mosteiro de Yuste, na cidade estremenha da Cáceres. No princípio confundi as duas imagens. Mas, a autora do trabalho apresentava-a como sendo a fotografia do homem que falecera em Pavia.
Eu concluí então, que esse homem tão parecido com Carlos V, só podia ser D. Sebastião, neto do Imperador e, por isso, com ele parecido. Tanto que quase se identificava.
Peço, pois perdão ao guia Abdulá, por não ter acreditado nele; e quem me leia, que tire as suas conclusões…
Se o misterioso “Cavaleiro de Oliveira”, morto em Pavia, for o Rei Sebastião, neto de Carlos V e sobrinho de Filipe II de Espanha, então o nosso D. Filipe I, foi um usurpador e um oportunista…

Anselmo Vieira

03-02-2019

Teresa Lourenço - A filha esquecida de Ponte de Lima


Teresa Lourenço
A filha esquecida de Ponte de Lima

Dela não temos nem palavra. Todos a ignoram. Nem os seus conterrâneos a lembram. Mas foi Mãe de um grande rei: “O da Boa Memória”.
Foi Frei António Brandão, historiador alcobacense, quem dela falou primeiro. E deu-a como natural de Ponte de Lima.
Outros historiadores portugueses naturalizam-na, de entre Lima e Minho, ou do Alto Minho.
A maior parte dizem-na galega.
Os espanhóis dão-lhe o nome de Teresa Gil de Lourenço. E dizem-na portuguesa.
Acho que todos falam verdade: natural do Minho, e como tal portuguesa da Galiza porque, nesse tempo, Ponte de Lima pertencia à diocese de Tuy, na Galiza. E era a circunscrição eclesiástica, que contava para a naturalidade.
Naqueles tempos Ponte de Lima vivia uma grande azáfama. D. Afonso IV decidira a reconstrução da velha ponte romana. E o príncipe D. Pedro assumia a supervisão das obras. Estava-se, pois, na segunda metade do século catorze.
O empreendimento era de envergadura, e enchia a Vila de bulício e desafogo económico.
Neste ambiente de prosperidade os ventos corriam de feição para uma padaria dentro das muralhas, no centro da Vila, onde hoje fica a Matriz. Nela se abasteceria o próprio D. Pedro, que pelos indícios se terá encontrado com uma menina, filha dos padeiros e que ele achou que seria uma boa companhia para os seus filhos e de Dona Inês.
Não sabemos os pormenores. O certo é que a levou consigo, para sua casa, em Coimbra, onde a menina se terá tornado mulher na companhia de Inês de Castro e de seus filhos.
Desta maneira, foi testemunha de Inês, e de sua tragédia. Assistiu às fúrias do príncipe. Festejou a sua coroação. E continuou a servi-lo, no seu dia a dia familiar.
Na sua vida de rei, D. Pedro sofria de alucinações e de insónias. Então, explodia em arrebates espalhafatosos, rompia pelas ruas de Lisboa e, provocando alvoroço, reproduzia os arraiais minhotos, a que assistira no tempo da sua instância limiana, cheios de folia e de vinho.
Outras vezes, caía em depressão.
Foi, talvez, num desses momentos que, irrefletidamente talvez, levou para o seu leito a frágil protegida.
Teresa ficou grávida e deu à luz um menino, batizado com o nome de João.
Dizem alguns escritores que, durante as alucinações que tinha quando dormia, D. Pedro via um dos seus filhos, no futuro, coroado como rei. Mas não o filho de Constança, nem o João, filho de Inês; mas o João, filho de Teresa. E pressentiu o perigo… que pretendeu evitar. Inutilmente. Porque, sem o querer, colocou-o no caminho do destino.

Foi assim, que quando o menino fez sete anos, afastou-o a ele e a sua mãe, da Corte e levou-o para longe da Capital, no Alentejo, onde lhes deu casa e estatuto.
Fê-lo Mestre de Avis.
Longe dos sítios onde se criavam e formavam os reis; mas em que o destino o preparou para a “Grande Batalha”, que lhe daria a Coroa.
Quando já Rei, os habitantes de Ponte de Lima pedem a D. João I, um terreno que ele possuía, dentro da Vila, onde antes houvera uma padaria, agora desactivada e em ruínas, “alguns casebres”, para nesse lugar construírem a sua Igreja Matriz. O Rei deu-lhes esse terreno, pagando assim, antigos favores.
Agora pergunto eu: Que favores eram esses, que o Rei recebera dos habitantes de Ponte de Lima? E a que título tinha o Rei D. João I uma propriedade dentro da Vila?
Quanto à primeira questão temos a resposta na Crónica do Sto. Condestável, quando D. Nuno se alongou, desde Darque, por terra da Ribeira Lima, até à Vila de Ponte.
Mas porque seria o Mestre de Avis dono de uma propriedade dentro da Vila, num tempo em que isto estava vedado a todos os fidalgos, que dentro da mesma não podiam ter casa, nem propriedade? E nem sequer lá podiam pernoitar?
Com certeza que só por herança, da mãe, que à data poderia já ter falecido.
Faleceu Dona Teresa Lourenço, sem nos ter dito nem uma palavra. Sem nada ter decidido.
Tudo o decidiu D. Pedro… E, possivelmente, contra a sua própria vontade…
Que decidam agora os filhos de Ponte de Lima.

Anselmo Vieira
(Arqueólogo)

22-03-2016

Vale de Ovínia


Vale de Ovínia

Pela obra do ilustre medievalista professor Almeida Fernandes, chega-me o conhecimento de um documento de finais do Séc. IX, referindo-se ao Rei Asturiano, Afonso III o Grande, em que este se regozija da sua nova “Presúria” no “velho vale de Ovínia”. E diz que ali reservou um feudo, que localiza junto ao rio Podre, que hoje identificamos como rio Fontão.
Mais tarde, ao entrar no Séc. XI, sabemos por estudos do mesmo autor, que o Rei Fernando I de Leão, visita estas terras, para confirmar a sua posse e poder valoriza-las. Nesta altura, o feudo era conhecido como: “Terra de Ponte”.
Estas referências levam-me a suspeitar que a tal Ovínia, que dá o seu nome ao “Velho Vale”, talvez seja o povoado castrejo do alto de S. Silvestre, ou mais provavelmente, o castro de Santa Luzia, por cima de Viana.
Fontão estava, portanto, integrado neste feudo. E, tudo indica que já antes integrava uma Vila Romana, que incluiria o território entre o rio Fontão ou Podre e o rio de Estorãos.
Há indícios que me levam a crer, que desde muito cedo, talvez mesmo de quando Júlio César andou por cá a saquear estas terras, aqui tivesse nascido um empreendimento “Agropecuário”, e que o mesmo não tivesse desaparecido durante a “Alta Idade Média”, mas que tenha sobrevivido até aos tempos da fundação de Viana. Doutra maneira, como explicar que a pequena e pobre freguesia de Fontão, pagasse ao fisco de D. Dinis, o dobro do que pagava qualquer freguesia vizinha, e tanto ou mais, como as duas freguesias de Viana, no tempo de D. Afonso III?
Os topónimos do rio Fontão: rio Podre, rio do Talho, a jusante da maior eira de Portugal, no local do Retiro, a que muda para rio Velho, a montante do mesmo lugar.
Sendo que para montante, fica também o lugar do Toural, e a seguir, o Ameal, terra de ricas pastagens, regadas pelas torrentes que descem de Silvareira.
E na confluência do Lima, o célebre “Valo”, que dá nome à veiga, antigo “Fundão” ou Varadouro de barcos, em cujo fundo, diz a lenda, submerso nas areias, jaz um tear de ouro?
Anselmo Vieira
03-02-2019

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

O Entrudo Minhoto




0 Entrudo Minhoto tem as caraterísticas do Carnaval de toda a Galiza e o Limiano nele se inclui.
Alongam-se as suas origens aos fins do séc. oitavo, princípios do séc. nono.
Os Muçulmanos procediam à inclusão desta região e de suas gentes na esfera da sua influência. Mas, são surpreendidas pelos barcos Vikings que sobem rio acima.
Eram os Normandos que assaltavam, matavam, sequestravam e roubavam numa ferocidade incontida, sem dó nem piedade.
A Galiza despovoa-se porque os que podem fogem. Em breve toda a população se reduz a pouco mais que duzentos mil habitantes.
Tentam os mouros resistir, mas inutilmente, porque os Normandos surgem, destroem e desaparecem em seguida. Isto uma e outra vez, repetidamente Os árabes retiram para o sul. Ficam os Naturais, que na região do Lima se devem ter refugiado na Serra d'Arga.
Reparando que os invasores tão depressa apareciam como se afastavam em seguida, esgueiravam-se para a Serra, quando surgiam, rio acima e regressando aos seus campos e culturas, quando se afastavam. Com eles tangiam os seus gados ora fugindo, ora regressando.
Vive-se uma ausência de poder central, donos únicos dos seus destinos, entregues à sua sorte.
Talvez porque os Normandos se deram conta de que a colheita por "razia" vendia pouco, procuraram o entendimento e optaram pelo comércio, de carnes certamente porque era a pecuária a atividade dos povoadores da região. E entenderam-se com vantagens mútuas.
Sem poder central eram os invasores estrangeiros que ditavam as leis. Vinham nos fins do outono e enchiam de carnes e peles os seus barcos. Ao terminar o inverno, estavam prontos a regressar às suas terras de origem.
Havia festa de despedida. Assinavam ou davam o seu último "aval" aos seus contratos. Satisfeitos com os seus negócios procediam ao acordo final e preparavam a partida.
Religiosos, temiam os deuses protetores e a fúria dos espíritos dos animais abatidos e realizavam uma Solenidade de Expiação... para desafrontarem os deuses e pedirem perdão aos espíritos das reses abatidas.
De seguida disfarçavam-se com máscaras, ou ensarranhavam os rostos, de carvão. Envergavam vestes trocadas para que os espíritos dos animais não reconhecessem o seu matador e o perseguissem. Luziam chifres com o mesmo fito. E buzinavam insistentemente para assustar e espantar esses mesmos espíritos. E zarpavam, rapidamente, fugindo do lugar do massacre, embrenhando-se por ''mar fora".
Contentes... as gentes da terra, refastelavam-se com os restos não comerciáveis das suas reses, e entregavam-se a danças e pantominas.
São pois, escandinavas as origens do nosso Entrudo Limiano, desenvolveram-se e formaram- se do séc. nono ao décimo primeiro e manteve-se até ao nosso tempo.

Anselmo Vieira (Arqueólogo)