sábado, 29 de junho de 2019

Os desocupados


Charles Chaplin, in "Tempos Modernos"

Os desocupados

Li algures, na vida do imperador Nero, que em certa ocasião se lhe apresentou um inventor, a pedir-lhe o patrocínio, de certa máquina que tinha inventado. E argumentava que era uma máquina tão importante pela sua eficiência, que produzia o trabalho de cerca de quinhentos operários. Não recordo que máquina fosse. Mas parece-me, que servia nos trabalhos agrícolas, não sei se para arar a terra, se para ceifar as searas.
O imperador terá pensado uns tempos; e, após a reflexão negou o subsídio.
Estranhou-lho o proponente, e disse-lhe:
- Então negas ajuda para uma máquina que te pode vir a trazer tanta riqueza, poupando-te os gastos, de tantos assalariados?...
Ao que o imperador terá retorquido:
- E que farei a vinte e cinco milhões de escravos que há no império?
Hoje em dia, os inventos sucedem-se em catadupa; os robots, os drones e outras máquinas que tais, qualquer dia unem aos nossos ouvidos como moscas, até como elas, nos incomodarem.
Substituem o trabalho humano e não produzem riqueza, mas desocupados. Incomoda-me a insensibilidade cruel com que qualquer “borra botas”, ou idiota inventa, sem pensar nos infelizes que caem na condição de desocupados e sem hipótese alguma, de autorrealização.

Maio, 2019

Anselmo Vieira

Nasce um povo

Nasce um povo
S. Rosendo, em Santo Tirso - escultora Irene Vilar

Quando, nos primeiros anos do séc. X, Afonso III, rei das Astúrias, deu ordem aos seus Presores, que atravessassem o rio Minho e ocupassem as terras da Serra D’Arga, as gentes de Fontão devem ter-se sentido aliviadas, integradas que ficavam no fundo real.
Mas, os sucessores do rei não estiveram à altura.
Os mouros regressaram. E o novo reino de Leão, teve de contrair-se, novamente, na direção das Astúrias.
Nas terras marítimas, os Vikings, moviam-se a seu bel prazer. E a foz dos rios estavam-lhes escancaradas, sem proteção. Eram eles os senhores das terras.
Foi o tempo de S. Rosendo governar a Galiza. Mas o santo, que tentou organizar as paróquias, isto é, freguesias, do Vale do Lima e terras do Neiva, mais propenso à vida mística, do que à guerra; e, para mais assoberbado, com ataques de rivais Cristãos, acabou por retirar-se para um dos mosteiros que fundara; não sem desabafar: -“Quem com ferros mata, com ferros morre.” O que poderá ter sido um augúrio, ou uma confirmação…
No entanto, ainda lhe devemos a inauguração da igreja de S. Cláudio, em Nogueira.
Outras paróquias devem ter sido fruto desse esforço agregador do nosso santo. Mas de Fontão, não se sabe nada. Talvez estivesse agregada na freguesia de S. Pedro D’Arcos.
Sabemos que a sua família se terá entendido com os Vikings, que se acoitavam na ria de Ovar e por toda a foz do rio Vouga, e que, por isso, terá tido desentendimentos, com os reis de Leão.
O certo é que o Séc. X morre com estas terras do norte de Portugal, e sul da Galiza, a ferro e fogo.
Aproximavam-se os dias de Almançor e S. Rosendo morre no seu mosteiro, na Galiza.
Sombras negras pairam no horizonte.

Almançor


O ano de 997 deve ter sido uma data de terror. Almançor reúne as suas hostes em Viseu.
Os Condes, amedrontados, desligam-se da obediência ao seu rei. E correm, submissos à convocação do Caudilho Muçulmano.
Metódico, este organiza o seu exército. Da sua competência, e a prová-la, restam-nos, ainda, as admiráveis: “Cavas de Viriato”.
Retirem de lá a estátua do Lusitano. E deem: “O seu, a seu dono.”

A cavalgada tem como destino: Santiago de Compostela. O trajeto, passará pela “Terra de Ninguém” e pela ponte do Rio Lima.
Mais uma vez, os Fontanenses, esgueiram-se para o interior da serra d’Arga.
Ultrapassada a ponte do rio Lima, por alturas de Labruja e no sítio do atual santuário do Senhor do Socorro, o exército de Almançor deparou com dificuldades intransponíveis. O general teve de fazer alto e contratar sapadores que lhe abrissem uma picada, para vencer a
montanha. Paragem que demorou semanas. Imaginemos a aflição dos naturais.
Anos depois, já entrado o séc. XI, Almançor morre em Sevilha. Mas a tranquilidade não voltou.
Pouco depois, é o filho mais velho de Almançor que segue os passos do pai, na vontade de destruir os reinos Cristãos e por caminhos, mais no interior da Península, dirige-se novamente, às Astúrias. Estatela-se contra os Picos da Europa, onde morre com a maior parte do seu exército.
Morre o mais velho, teima o segundo. Este vem por mar. Não chega às Astúrias, como pretendia. Os historiadores falam de uma Frota, de mais de trinta mil guerreiros. Uma tempestade, medonha atira-os contra os rochedos de entre a foz dos rios Lima e do Minho.
Salvaram-se, apenas, os que o mar atirou por sobre os penhascos para as praias e campos da orla marítima. E tão desorientados e desprotegidos, que por cá ficaram, deixando marcas no ADN, das gentes locais.
Deram-se estes acontecimentos, na primeira década do Séc. XI.
Os Muçulmanos, cansados, perece adormecerem. Mas a paz não chega. Chegam novamente os Vikings em oleadas contínuas, e cada vez mais prolongadas, já na década seguinte.

As invasões dos filhos e netos dos Vikings



É minha fonte o investigador Hélio Pires, no seu livro: “Os Vikings em Portugal e na Galiza”.
Ele fala-nos de como eles chegaram e por cá se movimentaram, num conflito à vontade, despreocupados, já com umas pinceladas de Cristianismo, que não lhes retiravam a ferocidade nem a cobiça. Espalhavam-se por toda a região a norte do rio Vouga. Estendiam-se à Feira. Andaram pelas terras da Maia e por todo o norte Minhoto e estendiam-se pela Galiza.
Desenvolvem a caça aos naturais, que fazem cativos. Exploram o negócio do resgate.
Arranjam mesmo cúmplices entre os Cristãos naturais da terra, e os condes, traficantes na Feira, em Ovar e Vermoim, na Maia. Escondem os seus barcos, na ria de Ovar, ou na Pateira de Fermentelos.

Hélio Pires descreve-os como “os filhos e netos dos Vikings”, aludindo, sem dúvida, à mistura com os naturais. E eu vejo neste ambiente, a chegada às terras do Porto, do culto da Nossa Senhora da Vandoma.
Hélio Pires deixa entender que estes ataques eram numerosos, e constantes; e não meramente ocasionais, senão que as suas razias eram prolongadas no tempo e que se sucediam umas às outras, apoiando-se em lugares estratégicos, onde assentavam as suas bases e onde se misturavam com as populações locais, criando conivências e cumplicidades, propícias ao entendimento e à consanguinidade, tanto por via materna, como paterna.
Estes dramas, tragédia daqueles tempos, prolongaram-se durante todo o Séc. XI. Ainda no fim do mesmo século, vemos o Bispo Gelmires, de Santiago de Compostela, enredado contra os Normandos, e lutando contra os mesmos, já no tempo de D. Hurraca.
Foi neste caldo social, que o nosso primeiro Príncipe, foi buscar os seus colaboradores.
Se é que o mesmo, fosse ele quem fosse… não era também portador do mesmo sangue…como os nossos aristocratas, que de Asturianos, tinham pouco.
Para mim, o Povo Português, gerou-se neste caldo social, vivido neste tempo e nesta região, que nos fez diferentes de todos os outros povos de Espanha; e que desde então pouco evoluiu, ficando o mesmo até hoje, e só igual a si próprio.

03-06-2019

Anselmo Vieira

Ao sabor do tempo que passa

acrílico s/tela - Júlio Capela

Ao sabor do tempo que passa

Hoje, desloquei-me para espairecer até Valongo.
É sábado, dia de feira na cidade. Entro no meio de trânsito intenso. Para mais, a campanha para as Europeias está no auge. Numa rua são as bandeiras da CDU. Noutra os Bloquistas. Mais até o PPD. E a seguir o PS. E outro. E outro mais além.
Os mirones e os basbaques param pelos passeios e abrem as bocas, ou arregalam os olhos para os chamarizes das montras e das vitrines.
Há o aperto das tendas e dos balcões, de tudo o que atiça a curiosidade de uns, e a cobiça dos outros.
“É a feira da aldeia”, com tudo o que significa e implica.
Entro na balbúrdia. A velocidade é lenta porque o bulício da rua, isso implica.
Qual não é o meu espanto, quando deparo cruzando-se comigo, um camião carregadinho de garrafas de gás, parado no meio da rua, a repartir botijas, pelos estabelecimentos das redondezas. Ali mesmo! No centro da cidade. Aquela hora! Indiferente à multidão!…
Encho-me de indignação. Mas como é possível aquele perigo, àquela hora. Por entre uma multidão de incautos. Que andam a fazer os nossos deputados e o nosso Parlamento, que nos deixa assim expostos ao perigo? Porque é que uma viatura daquelas, com aquele carregamento, se apresenta num lugar público, àquela hora, naquele dia?
E, se acontecer o pior, um abalroamento por exemplo, e a consequente explosão? E, se houver muitos mortos? O que vai ser a choradeira? Quando carpir for inútil, onde encontrar os responsáveis? Para que servem as campanhas de votos? Para encontrar emprego, sem cuidar de responsabilidade.
Sinto-me maldisposto. Incomodado, mas impotente… Os néscios ao Poder…
Sentado num café acalmo, lendo o jornal. E olho pela vidraça. Mesmo à minha frente segue, penosamente, por entre o trânsito e a multidão, o camião carregado de botijas, fornecendo os estabelecimentos. Mas, por Deus, que por hoje, não houve nada…
A quem nos entregaram os nossos votantes.

Maio, 2019

Anselmo Vieira

sexta-feira, 28 de junho de 2019

Azenhas no Rio Coura


Azenhas no Rio Coura

Por um destes afazeres da vida, que por vezes nos batem à porta, aconteceu-me receber em casa, um aviso das finanças de Paredes de Coura, notificando-me para o pagamento da contribuição, por um, prédio na freguesia de Bico.
Estou com sorte, pensei. Possuo um prédio em Bico e nem o sabia. Apresentei-me no registo de finanças, para que me indicassem qual o prédio e a sua localização.
Para minha surpresa, era verdade!
Fizeram-me ver que a minha esposa é comproprietária de um moinho de água, azenha, na margem direita do rio Coura, uns duzentos metros a jusante da ponte dos Cavaleiros, Freguesia de Bico.
Tratei logo de visitar a tal nova fortuna, que sem contar, me vinha cair em posse.
Bem, a azenha lá se encontra em completo estado de abandono e degradação, empoleirada num penedo mais saliente e penosamente agarrada à ladeira da margem, numa última tentativa de fugir às águas
tumultuosas, que a investem por todos os lados. É este o prédio, que sem contar, me veio cair às mãos.
Pus-me a contemplar em volta, e confesso que fiquei encantado pelo sítio. Do lado oposto do rio, mais três ou quatro moinhos, um deles ainda a funcionar, faziam companhia ao que me coubera em sorte.
Igualmente apoiados na granítica penedia, por entre a qual bramem as águas do Coura, saltitantes, de cascata.
Nas margens um maciço de aveleiras, formando renques que delimitam coutadas. As águas rumorejantes ouvem-se à distância e juntam a sua frescura à da sombra de Carvalhos e Lodeiros que
igualmente se banham, nas águas tumultuosas.
As redondezas, ermas, tem aspeto fresco e acolhedor. Convidando à contemplação, num sossego agradável e delicioso.
A contrastar com a simplicidade rústica dos moinhos, e a beleza selvagem do Coura, a montante das azenhas, rompe aqueles ermos, um caminho milenar e, nele, a famosa ponte dos Cavaleiros, obra de engenharia Romana, de um só arco em volta perfeita, encavalitado em ciclópicos penedos de granito. O arco construído com pedras primorosamente talhadas, de beleza severa, mas nobre e calma, dá apoio a uma calçada bem lançada sobre o mesmo, permitindo-lhe numa passada clássica e elegante, vencer a torrente, indiferente à bruteza dos elementos.
Ao lado da ponte, umas alminhas modestas, adornadas com flores artificiais, tranquilizam o viajante que se aventura por aqueles páramos sombrios e rumorosos.
Mais acima, para o sul, a remendar uma praia, o poço do Trogalho, que antes alimentou de água, as azenhas, recebe agora os garotos das redondezas, que no verão ali tomam banho, e alguns aprendem a nadar.
E agora pergunto: Como é que o turismo de Coura ainda não reparou neste conjunto maravilhoso e o deixa ao abandono?
Atenção, Pelouro da Cultura!


Anselmo Vieira

A querela da Avaliação

No noticiário de ontem, 26 de junho de 2019, transmitiram uma notícia afirmando que “Alunos de famílias mais pobres e com menos estudos não conseguem entrar nos cursos com notas mais altas”. Lembrei-me então, de um artigo que redigi em 2010, mas que mantive até hoje como inédito.

A querela da Avaliação

Terminou a querela da avaliação…
Os professores saíram derrotados.
O governo de José Sócrates, a pretexto duma hipotética avaliação, tirou-lhes o pão da boca e conseguiu um apreciável arejamento das Finanças Públicas. Afinal, era isso que pretendia; e os seus apoiantes já nem o dissimulam.
Mas não foi esse o fim dos males. Bem pior foi a precarização da Carreira Docente.
Fez-se um acordo. Os políticos, de todos os partidos, não escondem a sua satisfação e esfregam as mãos de contentes… Para compensar lançam o engodo do topo da carreira que todos poderão atingir… Consolo para tantos…
Os professores foram enganados, se não, atraiçoados pelos que lhes prometiam apoios a troco de filiação ou de votos. Agora jazem deprimidos num silêncio de torpor…
Venceu o governo socialista que conseguiu amenizar as dificuldades financeiras.
Venceram os sindicatos a quem foi deixada, como feudo, a Escola Pública. Ficaram-lhes sujeitos os professores; e deles dependentes para qualquer iniciativa reivindicativa.
Venceram os «lobbys» do Ensino Particular.
Perderam os alunos que doravante ficarão submetidos às contingências das escolas que lhes tocará frequentar.
Ganharam os filhos da sorte e do poder, que disporão de escolas preparadas para eles e às que só eles terão acesso. Os seus lugares, nas elites, estarão assegurados. Aos outros perguntar-se-á quando se candidatarem a uma colocação: Qual a escola em que te formaste?...
Os professores dificilmente poderiam ficar mais fragilizados. Esbulhados dos salários que lhes davam uma certa dignidade, ficam, o que é pior, privados da sua efetividade, que dava consistência às suas vidas. Reduzidos à precariedade efectiva, a troco duma vaga promessa de atingirem o topo da carreira, após penosa jornada de quarenta anos. Ficam privados da esperança duma vida estável.
Dificilmente alguma coisa poderia prejudicar mais os professores, que este acordo sindical.
Quanto às futuras avaliações, terão a seriedade que costumavam ter estas coisas em Portugal… progredirão alguns mais habilidosos…mais aduladores e mais amigos…
Os lugares de topo serão dados, como recompensa, aos apoiantes; ou, como paga de serviços prestados, ao poder de ocasião.

Haverá lugar para o mérito? Os que ficarem para o ver responderão, quando lá chegarem.

Anselmo Vieira

2010

quarta-feira, 19 de junho de 2019

RAMIRO II, PRIMEIRO REI DE PORTUGAL


RAMIRO II, PRIMEIRO REI DE PORTUGAL

Aquele que haveria de ser rei de Leão, criou-se no norte de Portugal à guarda dos pais de Mumadona Diaz, a quem doaria Creixomil, na actual Guimarães. Por morte de seu pai Ordonho II, o seu tio Fruela, afasta os sobrinhos e tomou o reino com o título de Fruela II. À sua morte, o seu filho Afonso disputa a sucessão com os filhos de Ordonho II - Afonso, Sancho e Ramiro -, que levam a melhor com o apoio dos Senhores Portucalenses e da Galiza, dividindo o reino em 3 reinos independentes, ficando Leão para Afonso IV, Galiza para Sancho e para Ramiro Portugal, com a capital em Viseu!. Por morte de Sancho, Ramiro tomou para si o reino da Galiza. Com a morte da sua mulher, a bela Oneca, Afonso IV de Leão caiu em depressão e entregou o reino ao irmão Ramiro que voltou a unir os 3 reinos num só que governou como rei Ramiro II. Foi personagem muito popular por estas bandas até hoje, deixando lastro quer na toponímia, quer nas lendas, entre as quais a lenda de Gaia!

Agostinho Costa